Anciãos

No nosso percurso de transição para uma liderança plural e mista, começámos agora a refletir sobre os termos usados, no Novo Testamento, para a liderança da igreja, sendo o mais comum o de “ancião”. Este termo refere-se às pessoas mais idosas (ainda que, atendendo à esperança média de vida do primeiro século, não estejamos a falar propriamente de octogenários, mas de pessoas que, no máximo, rondariam os 35-45 anos de idade) e que, dessa forma, mostravam ter uma dose maior de maturidade e sabedoria. É um termo enraizado na cultura judaica, em resultado da valorização que os mais experientes tinham, o que era visível ao nível das famílias/clãs, na sociedade em geral e em contextos específicos, como por exemplo o do Sinédrio.

O termo ancião resulta da tradução da palavra grega “presbítero”, a qual significa “mais velho”. É curioso notar que, dependendo da tradução e da versão, a palavra presbítero, por vezes, é traduzida como “ancião”, em algumas poucas ocasiões é traduzida como “mais velhos” ou ” mais idosos” e, em outras ocasiões não é sequer traduzida, sendo simplesmente transliterada (é usada a mesma palavra do original, com caracteres latinos). As traduções em língua inglesa recorrem muito mais à tradução do que à transliteração deste termo, ao passo que nas de língua portuguesa encontramos mais vezes a opção da transliteração. Não existem reais motivos, do ponto de vista linguístico e textual, nem mesmo do ponto de vista do contexto cultural de escrita, que indiquem se a transliteração é necessária ou útil, sendo que o ideal é sempre a sua tradução. Optar pela transliteração não revela o significado da palavra, fazendo apenas replicar o seu som original, e parece atribuir um certo sentido de “cargo” ou “ofício” a uma palavra que era de uso bastante corrente e comum, em todos os contextos. Com esta opção, contribui-se para a manutenção de uma certa opacidade do termo e para uma elevação artificial do mesmo a um estatuto com maior “gravitas“, com mais destaque, importância e “peso”.

Todas as vezes que a Bíblia utiliza o termo “presbítero” ou “presbítera”, está a referir-se a pessoas mais velhas, mais maduras, com mais experiência e que eram reconhecidas, pela igreja e pela própria sociedade, como tendo mais sabedoria. Desmistificar o termo ajuda-nos a perceber a dinâmica de consideração que era devida para com os líderes da igreja, dentro de um contexto de respeito pelos mais maduros, ao mesmo tempo que nos permite desconstruir qualquer vislumbre de estrutura hierárquica com “posições de autoridade”.

O texto de Atos 14:23 fala sobre a eleição destes anciãos, para liderarem as igrejas. Paulo e Barnabé conduziram as igrejas em processos de eleição (voto por exibição das mãos), de forma a capacitá-las para a “obra do ministério”. Em relação a este versículo, importa referir que algumas traduções e versões não transmitem uma imagem fiel do que o texto original refere, na medida em que indicam que Paulo e Barnabé “designaram” ou “estabeleceram” anciãos. Entre estas versões, encontramos, por exemplo, a Nova Versão Internacional:

Paulo e Barnabé designaram-lhes presbíteros em cada igreja; tendo orado e jejuado, eles os encomendaram ao Senhor, em quem haviam confiado.

Uma melhor versão, que faz mais justiça ao original grego, é a que encontramos, por exemplo, na tradução João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada:

E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido.

Enquanto que a primeira versão transmite a imagem de que a liderança da igreja deve ser estabelecida ou designada por outra(s) liderança(s) já existente(s), a segunda versão deixa mais claro que a tarefa de designar a liderança é de toda a igreja, através do voto democrático. Perceber a forma como os líderes devem ser encontrados, dentro da igreja, pela própria igreja, é de suma importância para a compreensão do plano de Deus relativo ao percurso que a nossa igreja está a percorrer, neste momento.

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