No seguimento do nosso processo de transição para uma liderança plural e mista, mediante o estudo da Palavra de Deus, chegámos ao texto de I Timóteo 2:11-15. Estes são alguns dos pontos que debatemos:
- Atendendo ao facto de encontrarmos, no Novo Testamento, várias situações de mulheres que, de uma forma ou de outra, ensinavam:
- a toda a igreja, através da pregação (profetizas em Corinto – I Corinto 11);
- em contextos indefinidos, através da pregação (filhas de Filipe – Atos 21:9);
- a outras mulheres (presbíteras/anciãs – Tito 2:4);
- aos mais novos (Eunice e Loide – II Timóteo 1:5);
- num contexto de ensino mútuo na igreja (Colossenses 3:16);
- e a outros pregadores (Priscila e Áquila, ao ensinarem Apolo – Atos 18:26);
parece constituir um contradição ou um contrassenso que Paulo escrevesse a Timóteo, para proibir que as mulheres ensinassem. Esta aparente inconsistência adensa-se quando consideramos que em nenhuma daquelas situações existe qualquer reprovação ou limitação do exercício destes ministérios, em combinação com o facto deste ser o único local, em todo o Novo Testamento, onde semelhante proibição é registada.
- Como a Palavra de Deus não tem reais contradições e a abundância de situações acima descritas não deixa margem razoável para as considerar como exceções a uma regra universal, a conclusão a que podemos chegar é que a orientação de Paulo não constitui uma proibição generalizada, nem universal, relativamente ao ensino por parte das mulheres. Assim, provavelmente, Paulo está a lidar com uma situação específica e circunscrita àquela igreja, naquele momento, dentro daquelas circunstâncias.
- A proibição de que ensinassem poderá estar relacionada com a presença de diversos cultos pagãos, naquela cidade, nos quais sacerdotisas e profetizas sagradas desempenhavam o seu múnus religioso. Apesar de estes cultos, em Éfeso, não terem uma matriz sexual e imoral tão marcada como, por exemplo, em Corinto, é legitimo considerar que Paulo procurasse proteger as mulheres da igreja de serem identificadas com as dos cultos pagãos, protegendo-as, à igreja e ao próprio Evangelho.
- Por outro lado, a presença de correntes religiosas e filosóficas como o gnosticismo que postulavam uma forma de superioridade feminina (nos seus registos da Criação, Eva aparecia como precedendo Adão, dando-lhe a vida e ajudando-o a libertar-se da escravidão da ignorância), misturadas com uma recém adquirida liberdade de que as mulheres gozavam, no contexto da igreja, poderão ter concorrido para alguns exageros. Paulo procura limitar uma ação que colocava em risco a própria igreja, cortando, pela raiz, uma prática que, mesmo que não fosse a propagação dos próprios ensino gnósticos, redundava em abusos do ministério de ensino.
- No que diz respeito à proibição de que as mulheres exercesse autoridade sobre os homens, importa referir o seguinte:
- a palavra que Paulo usa (“authentein“) não é a palavra normalmente traduzida como autoridade (“exousia“), sendo esta a única vez que é utilizada em todo o Novo Testamento, o que alimenta a ideia de que esta foi uma situação isolada, sem paralelo, única nas suas circunstâncias;
- o termo “authentein” tem um peso mais forte do que o da simples autoridade, significando uma forma intensa de autoridade usurpada, abusiva, excessiva, autocrática, prepotente, ditatorial;
- mesmo que Paulo se estivesse a referir a um exercício de autoridade equilibrado, moderado, benevolente (que não é o caso), dizer que as mulheres não podem exercer autoridade sobre os homens, não é sinónimo de que eles podem exercer autoridade sobre elas;
- é natural que Paulo proibisse o exercício de autoridade, num contexto onde não existe hierarquia, porque a sujeição é recíproca (“sujeitai-vos uns aos outros” e “cada um considere os outros superiores a si mesmo”);
- apesar de a Bíblia usar, várias vezes, o termo “sujeição”, para se referir a determinados relacionamentos, esse facto não resulta na existência da autoridade por parte daquele a quem nos sujeitamos (salvo a Deus e às autoridades civis);
- Se a referência que Paulo faz à ordem da Criação (primeiro foi criado Adão e Eva foi criada depois) servisse para generalizar a universalizar estas proibições a todas as mulheres, em todos os lugares, culturas e épocas, então:
- essas proibições teriam que ser aplicadas também fora do contexto da igreja, impedindo as mulheres de serem Professoras, Educadoras, Dirigentes, Presidentes, etc;
- dentro da própria igreja, todo e qualquer ensino ser-lhes-ia vedado (louvor, Escola Bíblica Dominical, profecia/pregação, etc);
- as instruções para que usassem véu, registadas em I Coríntios 11 também teriam que ser aplicadas universalmente (nesse texto também é feita referência à ordem da Criação);
- É mais provável que Paulo use o argumento da ordem da Criação, para ilustrar, exemplificar ou até dar consistência ao seu argumento relativo àquela situação específica ou ainda que este constitua uma simples reposição da verdade das Escrituras, em oposição aos ensinos gnósticos.
Todas as aparentes inconsistências deste texto com o demais registo bíblico, levantam sérias reservas em usá-lo como o principal fundamento para a proibição da ordenação feminina ao ministério pastoral. Por outro lado, se admitirmos que o seu contexto de escrita teve características específicas e circunscritas àquela situação que o condicionaram, poderemos admitir que as limitações nele contidas não são de aplicação universal, mas diziam respeito ao contexto concreto da igreja de Éfeso, no primeiro século. Desta forma, não subsistem reais impedimentos bíblicos à consagração de mulheres ao ministério pastoral, o qual inclui a função de ensino.